Atravessámos Marrocos de este a oeste. Abandonámos os nossos companheiros do deserto e, em Marraquexe, partilhámos um táxi com uma família marroquina. A viagem total durou 15 horas.
Quando finalmente chegámos ao nosso destino era noite cerrada, contudo, a humidade salgada que nos envolveu não deixava dúvidas: estávamos em Essaouira, a cidade portuária na costa atlântica.
No dia seguinte, acordámos com o som das gaivotas e a brisa marítima a entrar pela janela do nosso hotel, o riad Saltana.
Subimos ao terraço para tomar o pequeno-almoço, a vista era incrível e o clima ameno. O mar, tão próximo, embatia com força contra as rochas negras. A luz cálida refletia-se nas paredes caiadas de branco, emolduradas com portais azuis, do casario da cidade. Uma paisagem completamente diferente dos tons ocres de Marraquexe e do Sahara.
A Sqala; O porto da cidade; Banca de marrisco; Mulheres sentadas à conversa.
Essaouira foi habitada por fenícios no século VII a.C., foi porto de cartaginenses e conquistada por romanos.
Os nossos antepassados portugueses, no século XVI, estabeleceram aqui um importante entreposto comercial na rota com Cabo Verde, batizaram-na de Mogador e construíram um forte.
Procurei, em vão, qualquer referência ao passado português. Nem um escudo, nem um símbolo, nem uma inscrição gravada nas pedras. Nenhum elemento da fortificação portuguesa subsistiu aos constantes ataques dos berberes e a Sqala, que hoje podemos visitar, ergueu-se no mesmo local, no século XVIII.
Estávamos junto ao porto e o burburinho que escutávamos antevia a efervescente azáfama matinal. Os barcos atracados estavam a descarregar a pescaria da madrugada. Gaivotas famintas sobrevoavam as nossas cabeças, de bico em riste, prontas a investir no peixe ficava para trás. Mesmo ao lado, reparavam-se barcas pintadas de azul e remendavam-se as redes de pesca.
Loja no souk; Gato a dormitar na loja Minimal; A banca das especiarias; O talho local.
O céu cobriu-se de nuvens cinzentas e ameaçadoras, o que nos levou a procurar abrigo nos souks.
As ruas da medina são estreias, emaranhadas, mas luminosas. Não há espaço para carros e o trânsito de motas e bicicletas é quase inexistente. Quebrava-se o silêncio quando passava, por vezes, alguém atarefado com um carrinho de mão transportando as malas dos turistas recém-chegados até aos riads.
Essaouira é o local ideal para comprar lembranças de Marrocos, tudo aqui é autêntico, local e original.
A criatividade dos artesãos parece inesgotável e expõem a sua arte em pequenas lojas debaixo de portais ou modernas concept stores. No ar, paira o aroma a especiarias, coro curtido e madeira de tuia.
Pudemos entrar, admirar as peças e demorar-nos sem a pressão dos vendedores insistentes, tão caraterísticos do mundo árabe. Frequentemente, o preço estava marcado e era definitivo, embora os comerciantes souiris estivessem com disposição para regatear quando queríamos mais do que um artigo.
Aconselhadas pelos nossos amigos de Rabat, estávamos desejosas de provar um produto típico de Essaouira, o amlou: uma manteiga de amêndoas e óleo de argão que prometia elevar os msemmen, os crepes fritos marroquinos, ou as nossas torradas do pequeno-almoço a outro patamar. O óleo de argão, originário do país, é muito conhecido pelas suas múltiplas virtudes e por realçar o sabor dos pratos.
Encontrámo-lo por todas as partes. Mulheres ágeis encarregavam-se de alimentar um funil giratório com amêndoas que as moía contra uma pedra de granito, e depois adicionavam o óleo, tudo numa produção manual e em pequena escala.
Praticantes de kitesurf na praia de Essaouira e a ilha Mogador ao fundo; Camelos passeavam pelo areal; O pôr-do-sol no mar; Peixe Saint Pierre e beringela assada no restaurante Nomade.
Depois de um almoço leve, numa praça repleta de esplanadas, o sol voltou a brilhar e fomos espreitar a praia.
O infinito areal estava praticamente vazio e os banhistas existentes eram seguramente europeus. O mar, contudo, estava repleto de telas gigantes de kitesurf. Essaouira é um destino popular entre os surfistas pelos ventos alísios, ideais para a prática de desportos aquáticos.
Camelos e cavalos deambulavam pela praia puxados pelos cuidadores que desafiavam quem passava a um passeio.
O famoso guitarrista, cantor e compositor Jimi Hendrix passou por esta cidade costeira no longínquo verão de 1969, catapultando Essaouira para o mundo como um lugar acolhedor, hippie e livre. A cidade soube aproveitar a sua curta estadia para se promover, surgindo afirmações que o artista pernoitou ou jantou em determinados locais ou até que as dunas de areia o inspiraram nos versos de Castles Made of Sand, quando a canção já tinha sido lançada em 1967.
Mito, lenda ou imaginação, a verdade é que o artista deixou uma marca indelével na cidade e Essaouira tem uma aura despretensiosa e boémia, que certamente fascina todos aqueles que a visitam.
A gatinha que nos fez companhia durante o nosso almoço no restaurante La Roche; Venda de pão e galinhas no souk; Fachada de um riad; O nosso almoço no Love by Caravane.
Ao fim de dez dias de viagem por Marrocos, nunca pensámos que nos fora surpreender tanto.
Este país é riquíssimo em vestígios de um passado berbere, romano, árabe, andaluz, europeu e africano, visíveis no património, na arte, na gastronomia, mas também na diversidade, hospitalidade e abertura das pessoas que o habitam.
Viajámos para Marrocos à procura de um país com perfume a flor de laranjeira e tâmaras, de arquitetura rasteirinha e simétrica, jardins exóticos e riads escondidos. E agora que o encontrámos, não teremos outra opção senão voltar e voltar e voltar.
Antes de Essaouira, estivemos em Marraquexe e no deserto do Sahara, podem ler os roteiros aqui.
Como chegar How to get there
Para Essaouira fomos num táxi partilhado que o nosso condutor da viagem ao deserto nos arranjou. Pagámos 25€. Regressámos a Marraquexe de autocarro com a Supratours, a viagem durou 3h, custou 10€ a cada. www.supratours.ma/
Como se deslocar How to move around
Andámos a pé durante toda a estadia. A cidade é pequena e acessível, passámos várias vezes pelos mesmos locais, com a sensação de andar em círculos e a certeza de que não ficou nenhuma ruela da medina por explorar.
Onde dormir Where to sleep
Riad Saltana o nosso riad ficava numa casa de três andares caiada de branco. As fotos do Booking não fazem jus ao local. Era aconchegador, decorado com motivos marítimos em cores suaves. O terraço onde era servido o pequeno-almoço, tinha vista para o mar. https://bit.ly/3cPVp35
Onde comer Where to eat
La Roche encontrámos uma praça solarenga com esplanadas. Sentámo-nos no La Roche para um almoço leve. Têm vários pratos vegetarianos. bit.ly/3qgwrwz
Nomade com uma decoração cuidada e original, foi neste restaurante que provei o peixe fresco de Essaouira. Escolhi o peixe Saint Pierre acompanhado de legumes e a Nicole comeu a beringela assada com queijo ricota. nomade-restaurant.business.site/
Le Love by Caravane fica num colorido pátio interior com um ambiente descontraído e boémio. O queijo fundido com mel, que comemos de entrada, estava divinal. www.instagram.com/lovebycaravane_essaouira/
O que visitar What to visit
Medina a cidade amuralhada é Património da Humanidade da UNESCO. É um exemplo notável de uma cidade portuária fortificada do século XVIII, com forte influência europeia. É muito fácil e recomendável “perdermo-nos” pelas suas ruelas.
Place Moulay Hassan o coração palpitante da cidade que recebe os visitantes antes de transporem nas muralhas da medina.
Sqala a cidade, com uma localização estratégica, foi muito cobiçada ao longo dos séculos, mas está protegida por este grande dispositivo defensivo com canhões apontados para o oceano.
Porto de pesca visita obrigatória de manhã bem cedo, enquanto os pescadores descarregam os barcos.
Sinagoga Haim Pinto encontrar esta pequena sinagoga no meio do casario da medida foi uma agradável surpresa. Situa-se na antiga casa do rabino Haim Pinto, descendente de judeus sefarditas.
Mesquita Ben Youssef embora não pudéssemos visitar o interior, que está restrito a muçulmanos, esta mesquita é omnipresente na paisagem de Essaouira. Cinco vezes ao dia ouvia-se o azan, o chamamento para rezar.
Praia Essaouira é um conhecido destino dos surfistas pelos ventos alísios, ideal para a prática de surf e windsurf. O mar estava repleto de surfistas, contudo, encontrámos um areal infinito quase deserto.
Marché aux Poissons merece uma visita porque é muito mais do que um simples mercado, podemos sentar-nos a almoçar ou comprar artesanato nas muitas barraquinhas que estão lado a lado com as bancas de peixe.
Cemitério cristão foi com surpresa que descobrimos este local, numa cidade predominantemente muçulmana. Fora das muralhas e à beira-mar, existem dezenas de lápides cristãs de várias nacionalidades circunscritas por muros altos.
Onde comprar Where to shop
Minimal por todas as ruas da medina existem pequenas lojas com artigos típicos de boa qualidade, mas esta loja em particular tem artigos de artesãos locais, mas com um toque contemporâneo. www.instagram.com/minimal_bazar/
Place du Marché aux Grains numa das principais artérias da medina, encontra-se esta praça rodeada por pequenas lojas de rua onde encontramos joias, tapetes, cerâmica, especiarias, chás, lâmpadas de cobre e objetos em madeira de tuia (uma matéria-prima escassa que só é trabalhada nesta região). Embora os preços estejam mais adequados ao valor real do que em Marraquexe, regatear é obrigatório.
Aqui está o mapa com todos os locais mencionados no post:
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