Ao fim de três dias em Marraquexe, estávamos preparadas para sair do caos da cidade e ir conhecer uma das zonas mais fascinantes de Marrocos.
Queríamos ter uma experiência no deserto do Saara. Porém, não nos aventurámos sozinhas, integrámos uma excursão e fizemos várias paragens pelo caminho.
Ainda durante a madrugada, na Praça Jemaa el-Fnaa, encontrámos rostos ensonados: franceses, espanhóis, italianos, gregos, marroquinos, um coreano e uma chinesa. Este grupo multicultural acompanhou-nos durante os três dias seguintes.
Ao longo da viagem, também conhecemos uma civilização vibrante, rica e diversa: os berberes. A origem desta minoria étnica remonta às tribos indígenas do norte de África, algumas sedentárias, outras nómadas.
O povo berbere manteve a sua identidade, arte, lendas, mitos e tradições ao longo de 9000 anos. O idioma, elo comum entre as várias tribos, é afro-asiático e sobreviveu a muitas línguas da Antiguidade como o grego antigo, o latim, o fenício e o egípcio. Tem um alfabeto próprio, o tifinagh, mas é maioritariamente oral. Um vasto número de marroquinos ainda comunica neste idioma.
Aït-Ben-Haddou; O guia Housni Abdelwahab; Vista sobre o vale Ounila; As construções do al-kasar em barro e palha.
Arrancámos em direção a Ouarzazate. O sol brilhava, implacável, havia trabalhos de construção nas estradas ingremes e poeirentas, a viagem era lenta, mas o nosso condutor Aziz não deixou que nos faltasse nada. Parámos para tomar um café rápido e observar as maravilhas geológicas do caminho.
Na passagem Tizi n'Tichka, a estrada serpenteia contornando as altas montanhas do Atlas.
Ao meio-dia em ponto, chegámos ao al-kasar Aït-Ben-Haddou. No meio de um oásis verdejante, surge a aldeia fortificada construída em adobe, uma mistura de terra argilosa e palha.
O ar frágil de castelo de areia, que poderia ser derrubado a qualquer momento, engana. Aït-Ben-Haddou foi fundada no século VIII e, embora necessite de constante manutenção, mantém as estruturas originais.
A aldeia, estrategicamente localizada, era ponto de passagem obrigatório para os comerciantes beduínos da África profunda, especialmente de Timbuktu, no Mali, que se deslocavam a Marraquexe ou a Fez.
O kasbah é de uma rara elegância, este impressionante palácio é composto por quatro torres onde habitavam quatro famílias: uma judia, uma árabe, uma berbere e uma nómada.
Esta rica herança patrimonial não passou despercebida aos grandes produtores de cinema de Hollywood e vários filmes foram rodados dentro das muralhas do al-kasar.
O guia local que nos acompanhou, Housni Abdelwahab, berbere e pertencente a uma das cinco famílias que hoje ainda vivem na aldeia, falava oito línguas e alternava entre elas com mestria, conforme o interlocutor a quem se dirigia.
Contou-nos as peripécias da sua participação nas produções cinematográficas. Aos sete anos, estava com o seu pai nas bancadas da arena contruída para as gravações do filme Gladiator, gritando: "– Maximus, Maximus!". Há 10 anos, transportou aos ombros a Emilia Clarke da série Game of Thrones, enquanto uma multidão de figurantes clamava "– Khaleesi" às portas da muralha.
Subimos a encosta pelas ruas íngremes até à fortificação no topo, um celeiro, o último reduto em caso de invasão. Daí, apreciámos as vistas sobre o vale Ounila. Uma onda de calor fazia tremer o horizonte.
Visitámos o interior de uma das casas típicas, as pequenas divisões estavam reconfortantemente frescas. Escasseiam as janelas, há apenas buracos nas paredes a filtrar uns raios de luz que mal iluminam os espaços, contudo, assim mantem-se a temperatura, quer seja verão ou inverno.
Pernoitámos na povoação de Tinghir e, no dia seguinte, continuámos a viagem.
O desfiladeiro do Todgha; O guia Nordin fez um camelo a partir de folhas de palmeira; Uma rapariga lavava a roupa no rio; Cabras pastoreavam no desfiladeiro.
Nas margens do rio Dades florescem palmeirais e pequenas povoações sucedem-se à nossa passagem.
O guia Nordin esperava-nos. Este guia contagiou toda a gente com a sua simpatia e boa disposição. Com ele, atravessámos a aldeia Imareghn.
A vida desenvolvia-se à volta do rio e as mulheres cuidavam dos seus afazeres: lavavam a roupa no rio, colhiam os vegetais nas pequenas hortas, transportavam os filhos às costas, sorriam à nossa passagem e diziam bonjour ou salam, a curiosidade refletia-se nos olhos.
Chegámos ao desfiladeiro do Todgha, um universo geológico totalmente novo. Paredes verticais de rocha caem a pique sobre a estreita passagem do rio. Tivemos de piscar várias vezes os olhos para decifrar os pequenos pontinhos suspensos por cordas. Corajosos aventureiros escalavam até ao topo do rochedo com mais de 300 metros de altura.
Cabras negras empoleiram-se nos enormes penhascos, ágeis, desafiavam a gravidade.
Uma artesã local fiava lã virgem; As várias carpetes Taznakht.
O Nordin levou-nos a conhecer a corporativa de mulheres que fabricam as inconfundíveis carpetes Taznakht.
A tradição é ancestral e o método de fabrico manual, as carpetes e os tapetes são feitos a partir da lã de ovelhas e cabras que pastoreiam nas montanhas, ou, por vezes, de camelos.
Cativam pela originalidade dos motivos geométricos, inspirados nos caracteres do alfabeto berbere, pelas cores fortes e contrastantes obtidas de modo natural a partir de plantas que crescem na região, e pelas diferentes texturas e espessuras.
Saboreámos um chá de menta enquanto ouvíamos a explicação sobre todo o processo de confeção.
Envoltos num misto de agradecimento pela carinhosa hospitalidade, mas ansiosos pelo entardecer, abandonámos a aldeia e seguimos viagem. Ainda tínhamos vários quilómetros pela frente até à etapa mais emocionante do programa.
Passeio de dromedário pelo deserto; Usámos turbantes de algodão para cobrir o rosto; A minha amiga Nicole.
A paisagem muda drasticamente no caminho. Dos vales verdejantes em que abunda a água, passámos por um terreno rochoso e hostil até, finalmente, avistar as dunas Erg Chebbi.
O mar de areia finíssima e dourada, que compõe parte do deserto do Saara, situa-se muito perto da fronteira com a Argélia.
Cobrimos o rosto e a cabeça com turbantes de algodão a proteger do sol e fomos ao encontro dos dromedários.
A passos compassados e vagarosos, embrenhámo-nos mais e mais no deserto, contornando as dunas, aos ziguezagues. O vento ligeiro encarregava-se de apagar as pegadas.
Quando parámos, descalçámo-nos e sentimos a areia fria nos pés. Podíamos começar a correr em qualquer direção, que só veríamos montanhas douradas. Invadiu-nos uma sensação de estarmos sozinhos na infinidade do universo.
O sol desceu no horizonte com todo o seu esplendor, deixando as sombras envolverem os contornos da paisagem.
"The Sahara was a spectacle as alive as the sea.
The tints of the dunes changed according to the time of day and the angle of the light: golden as apricots from far off, when we drove close to them, they turned to freshly made butter; behind us they grew pink; from sand to rock, the materials of which the desert was made varied as much as its tints."
Force of circumstance, Simone de Beauvoir, 1965
Com a luz do lusco-fusco, dirigimo-nos para o acampamento onde iriamos pernoitar. O céu enchia-se de pequenas estrelas brilhantes.
Jantámos tagine e salada marroquina em mesas corridas dentro de uma tenda.
No exterior, esperava-nos uma fogueira rodeada por tapetes, sofás e almofadas. Distribuímo-nos num círculo para ouvir o concerto que os nossos anfitriões tinham preparado: música tradicional berbere acompanhada por tambores e krakachs. Um serão verdadeiramente mágico.
Dormimos numa jaima, uma tenda de campanha típica dos povos nómadas. O vento silvava e abanava a tela, sentíamos a areia do corpo contra os lençóis imaculados. Depois de poucas horas de sono, saímos novamente ao encontro dos nossos dromedários. A madrugada fundia-se com a manhã por meio de uma claridade suave.
A pé, escalámos com dificuldade uma duna íngreme, mas a recompensa foi o horizonte descoberto onde se anteviam os raios de sol. A paisagem inóspita mudava aos caprichos das rajadas de vento. Esperámos uns minutos e surgiu a luz incandescente da manhã que dourou as colinas de areia.
Os berberes que nos guiaram pelo deserto; Pôr-do-sol nas dunas Erg Chebbi, no deserto do Saara.
Desta experiência inesquecível pelo interior de Marrocos até ao deserto levo memórias únicas e amigos para a vida. O Naoufal e a Fatah, o jovem casal marroquino que também integrava o grupo, tornaram-se inseparáveis. Com eles aprendemos mais sobre a cultura marroquina, falámos abertamente sobre religião, educação, oportunidades laborais e a sociedade em geral. Vivem em Rabat e prontamente ofereceram a sua casa para nos receber numa próxima visita ao seu país.
Depois do pequeno-almoço em Merzouga, esperavam-nos 11 horas de regresso a Marraquexe, mas a nossa viagem não terminava aí. Tínhamos reservado duas noites num riad à beira-mar, na ponta oposta do país.
Seguimos para Essaouira, na costa atlântica de Marrocos, podem ler o roteiro aqui.
Como chegar How to get there
Há várias excursões organizadas que partem de Marraquexe ou Fez. Depois de alguma ponderação, optámos pelo Get Your Guide. Tivemos em consideração os locais incluídos, o preço, o número de noites e o tamanho do grupo. Muitos dos locais anunciados são apenas de passagem e, dependendo da vontade do grupo, podem parar ou não. bit.ly/3z7PA9c
Como se deslocar How to move around
Todos os trajetos estavam incluídos na excursão do Get Your Guide. Tínhamos uma carrinha de 17 lugares com motorista sempre à nossa disposição.
Onde dormir Where to sleep
Hotel Bougafer em Tinghir. Não foi o melhor hotel onde fiquei. O buffet do jantar e do pequeno-almoço não era variado e demoravam muito tempo a repor o que faltava. A piscina não convidava a banhos. Serviu para descansar, dormir uma noite e seguir viagem.
La Source em Merzouga. A segunda noite dormimos numa tenda no deserto, mas este hotel serviu de apoio, pudemos tomar o pequeno-almoço, usufruir da piscina e tomar banho. Não vimos os quartos.
Onde comer Where to eat
Todos os pequenos-almoços e jantares estavam incluídos na excursão do Get Your Guide. Os almoços eram pagos à parte, mas fomos sempre a sítios propostos pelo guia. Os preços andaram sempre à volta dos 100 DHM.
O que visitar What to visit
Aït-Ben-Haddou declarada Património da Humanidade pela UNESCO em 1987, esta aldeia fortificada com construções feitas a partir de barro e palha, impressiona pela beleza. Fundada 757, junto a um rio quase seco e um oásis verdejante, ainda há cinco famílias que vivem no seu interior e resistem à modernidade, sem água corrente nem eletricidade. Paga-se entrada, um valor simbólico, que serve para a manutenção do complexo.
Kasbah Taourirte dentro da zona urbana de Ouarzazate. É uma fortaleza berbere feita em adobe ricamente decorada com relevos de formas geométricas, provavelmente do século XVIII. Infelizmente, só vimos a fachada.
Estúdios de Cinema Atlas um dos primeiros estúdios de cinema do Norte de África, tem cenários utilizados em grandes produções cinematográficas internacionais. Preço: 100 DHM. ouarzazatestudios.com/?lang=en
Imareghn uma das paragens incluídas na nossa excursão foi a visita a esta aldeia com um guia local. Seguimos o Nordin pelas ruelas, pelos campos de cultivo à beira-rio e pelo desfiladeiro do Todgha.
Deserto do Saara a areia fina e dourada é o principal atrativo para visitar esta zona do país. Passeámos pelas dunas Erg Chebbi no dorso de um dromedário e assistimos ao pôr-do-sol. A dormida no acampamento berbere complementou na perfeição esta experiência.
Aqui está o mapa com todos os locais mencionados no post:
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