Há tradições que importa manter e uma escapadinha de fim de semana em família é uma delas.
A falta de originalidade em escolher presentes de Natal, levou-nos a preferir oferecer noites em hotéis espalhados pelo país e ter assim a desculpa perfeita para juntar mães, amigas, filhas, sobrinhas, primas e, agora, netos.
Não é fácil coordenar agendas, mas conseguimos encontrar um fim de semana em maio em que todas estivéssemos disponíveis.
O ponto de partida foi o hotel Vale d'Azenha, situado no interior do país a igual distância do Mosteiro de Alcobaça e das praias da Nazaré. Estavam lançadas as premissas para um fim de semana bem passado.

Mosteiro de Alcobaça.

Claustro de D. Dinis.

A Sala dos Reis.

As ruas de Alcobaça.
O sábado foi dedicado à pequena cidade de Alcobaça e ao monumento pela qual é conhecida.
O Mosteiro de Alcobaça há muito que me despertava curiosidade. A construção do templo religioso foi iniciada em 1178 nas terras doadas pelo próprio D. Afonso Henriques à Ordem de Cister, depois da conquista de Santarém aos mouros. É, por isso, contemporâneo da fundação de Portugal, atravessa todos os séculos da nossa história e mantém-se altivo e imponente, atraindo continuamente visitantes.
Como igreja monástica, não era permitida a entrada da população, apenas os homens podiam assistir à eucaristia em ocasiões especiais. As mulheres ficavam no exterior. Felizmente hoje os tempos são outros e eu e as oito mulheres que me acompanhavam pudemos entrar e admirar todo o seu esplendor.
A nave central, ladeada por pesadas colunas, é iluminada pela rosácea central. A elegância das proporções e o jogo de luzes são notáveis. O despojamento da Idade Média reflete-se na ausência de ornamentos dentro da igreja.
É a primeira construção de estilo gótico primitivo em Portugal que tem como expoente máximo a Catedral de Notre-Dame, em Paris.

O túmulo de Inês de Castro.
Ao chegar ao transepto, encontramos os túmulos de D. Pedro e D. Inês de Castro.
A história do amor proibido entre o rei de Portugal e a nobre galega, dama de companhia da rainha Constança, faz parte do nosso imaginário coletivo e identidade nacional.
Camões, dois séculos mais tarde, imortalizou-o num dos mais famosos cantos dos Lusíadas:
"Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste, e dino da memória
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha."
Os Lusíadas, Canto III - Estrofe 118, Luis Vaz de Camões, 1572
Este mosteiro foi o local escolhido para que o casal descanse eternamente frente a frente. Ricamente trabalhados, os túmulos narram cenas bíblicas que aludem às suas próprias vidas.
A visita ao Mosteiro continua pelo claustro com os arcos em ogiva, o refeitório com o púlpito onde se ouviam as leituras durante as refeições, a impressionante cozinha coberta com azulejos datados de 1752, a Sala dos Reis com representações escultóricas de 19 reis de Portugal, o dormitório no primeiro andar e o calefatório onde os monges copistas transcreviam livros e desenhavam iluminuras.

A família.
Depois da demorada visita, percorremos as ruelas que ladeiam o Mosteiro. A calçada portuguesa cobre os passeios, as esplanadas adornam as praças e as pessoas circulam sem pressa.
O almoço era aguardado com espectativa. Reservámos uma mesa no restaurante António Padeiro, uma casa de família aberta desde 1938, com memórias do passado expostas nas paredes e doces conventuais exibidos em grandes tabuleiros à entrada.
A comida é caseirinha, provámos o célebre frango na púcara, rissóis de bacalhau, arroz de garoupa, croquetes de alheira e polvo com batata-doce. Estava tudo delicioso e, no final, houve espaço para provar as irresistíveis sobremesas que nos seduziram desde que entrámos no restaurante.
Os doces conventuais fazem parte de uma tradição gastronómica profundamente enraizada em Alcobaça, não fossem os monges da Ordem de Cister os autores das receitas.
Mais tarde, entrámos na pastelaria Alcôa para admirar a montra onde brilhava o açúcar glaceado, as cornucópias perfeitas e o doce de gila. Saímos de lá com um doce cada uma, para quê tentar resistir? Certamente os monges de aqui não consideravam a gula um pecado capital.
O passeio da tarde levou-nos até ao Jardim do Amor, onde dois tronos em mármore fazem referência ao casal de apaixonados, D. Pedro e Inês de Castro.
Entrámos nas pequenas lojas históricas no largo do Mosteiro. A Casa Lisboa vende a típica loiça azul e branca. Aqui a cerâmica portuguesa encontra o seu maior esplendor. A loja Made in Alcobaça está repleta de objetos forrados com as famosas chitas e os seus estampados de pássaros exóticos, flores e frutas, ânforas e arabescos. Estes tecidos de algodão foram trazidos da Índia para a Europa por navegadores portugueses no século XVI. Em Alcobaça, adquiriram maior expressão e, agora, uma aura de modernidade revive esta herança do passado.

As sobremesas do restaurante António Padeiro.

O Jardim do Amor.

A tradicional loja Casa Lisboa.

O interior da Casa Lisboa.

As famosas chitas de Alcobaça.
No dia seguinte, o calor de maio ainda não permitia a ida a banhos, nem na piscina do hotel, nem no mar revoltoso da Nazaré.
Como a vila é encantadora, passear pelas ruas e miradouros e descobrir as lendas que envolvem este lugar foram suficientes para entreter todos os elementos da família.
Contudo, mal me deparei no passeio marítimo dispersei do grupo, arregacei as calças e caminhei em direção ao mar para molhar os pés. O Atlântico, gelado, ativou a circulação como um choque elétrico que percorre todo o corpo.
Ao longo de todo o passeio marítimo, há pescadores a vender carapaus e polvos secos ao sol, alinhados e suspensos em redes. A tradição remonta aos tempos de maior escassez onde este método de conservação permitia armazenar o peixe por mais tempo.
A gastronomia da região está profundamente ligada ao mar e predominam as caldeiradas, as açordas e os arrozes de peixe e marisco.
Esta relação de proximidade está presente nas origens ancestrais da Nazaré e permite-nos compreender melhor a sua identidade única. Reflete-se nas crenças e superstições de uma vila piscatória sujeita às vontades de um mar revoltoso. Vivia-se em constante sobressalto pelos homens que se aventuravam contra a força das ondas de onde provinha o único sustento da família.
Todo o local está envolto em lendas. A mais antiga é a da descoberta, em 1182, de uma imagem de Nossa Senhora, dentro de uma pequena gruta. Acredita-se que provém da Nazaré, na Galileia, e daí a origem do nome desta vila.
Nessa pequena gruta, foi edificada a Ermida da Memória, a mando o alcaide D. Fuas Roupinho, também ele implicado na lenda mais famosa da região.
O nobre português que caçava no Sítio da Nazaré numa manhã de nevoeiro. O veado que perseguia lançou-se pelo precipício. Na iminência de cair, D. Fuas pediu auxílio a Nossa Senhora da Nazaré e o cavalo estancou as patas traseiras na extremidade do penhasco, salvando o cavaleiro. Ficou assim este miradouro, com uma vista impressionante do oceano, um local de culto e peregrinação ao longo de séculos.

Os barcos típicos da Nazaré.

Polvo seco ao sol.

Um pescador a vender peixe seco.

A Praia da Nazaré.
Hoje em dia, dezenas de pessoas continuam a acudir ao Sítio da Nazaré, mas não para prestar culto à imagem da virgem.
A vila piscatória sofreu uma alteração profunda nos últimos anos e tornou-se um destino de renome mundial após o surfista de ondas gigantes, Garrett McNamara, ter surfado uma onda com 23,77 metros na Praia do Norte.
Desde então, celebra-se anualmente a competição Big Wave da World Surf League na Nazaré. Surfistas de todo o mundo especializados em ondas gigantes entram num duelo contra a água para alcançar não só o primeiro lugar, mas tentar bater o recorde da maior onda surfada do mundo.
O alemão Sebastian Steudtner detém este record ao ter surfado uma onda com 28,57 metros de altura, o equivalente a um edifício de nove andares.
O canhão da Nazaré é um intrigante fenómeno geológico que origina ondas monstruosas, de outubro a março. O Farol é o melhor miradouro para as observar.
No caminho até lá, encontramos a estátua antropomórfico Veado de Agostinho Pires e Adália Alberto que representa os dois momentos marcantes da história da Nazaré: a lenda de D. Fuas Roupinho e os surfistas que agora invadem o lugar.
Varinas, envergando as famosas sete saias, apregoam em plenos pulmões os frutos secos e biscoitos que vendem aos turistas.

O Sítio da Nazaré.

O Farol.

Veado, de Agostinho Pires, 2016.

Hotel Vale d’Azenha.
A autenticidade de Alcobaça e Nazaré está preservada, as tradições mantêm-se e passam de geração. Tivemos a sensação de que o tempo está suspenso e que quase tudo irá permanecer inalterável pelos séculos que seguirão. No entanto, o sopro de modernidade e o auge de popularidade trouxeram transformações às pacatas vilas que as souberam aproveitar para benefício dos seus habitantes.
A pergunta que dominou a viagem foi porque é que demorámos tanto tempo para visitar estes locais tão interessantes, tão ricos e tão únicos do nosso país. Há muitos mais por descobrir em Portugal. Felizmente, não falta assim tanto para o Natal e haverá novas viagens para ser oferecidas de presente.
Como chegar | How to get there
Fomos de carro até Alcobaça. Está a 116 Km de Lisboa.
Como se deslocar | How to move around
Utilizámos o carro para nos deslocarmos entre o hotel e Alcobaça e Nazaré.
Onde dormir | Where to sleep
Vale d’Azenha Hotel Rural & Residences um hotel de quatro estrelas situado a 6 Km de Alcobaça e a 10 Km da Nazaré. Rodeado de natureza, é o refúgio perfeito para relaxar. Cada quarto tem acesso a uma grande varanda com vista para um bosque. Tem piscina exterior, jacuzzi, saúna e restaurante. www.hotelvaledazenha.com/
Montebelo Mosteiro de Alcobaça abriu em 2023 num dos claustros do Mosteiro restaurado pelo arquiteto Souto Moura. História e modernidade encontram-se neste hotel de cinco estrelas. A rigidez monástica da estrutura contrasta com os detalhes acolhedores da decoração. montebelohotels.com/
Onde comer | Where to eat
António Padeiro este restaurante de gastronomia típica portuguesa situa-se numa rua pedonal perpendicular ao Mosteiro de Alcobaça. A variedade de sobremesas é surpreendente, partilhámos a tarte de amêndoa e o leite creme. antoniopadeiro.pt/pt/inicio/
Alcôa uma pastelaria famosa pelos premiados doces conventuais elaborados a partir das antigas receitas dos monges de Cister. Há tantas opções e todas igualmente irresistíveis. www.pastelaria-alcoa.com/
O Casalinho este restaurante na Nazaré é famoso pelas barcas de marisco. Nós partilhámos arroz de marisco e açorda de peixe. www.restaurantemarisqueiraocasalinho.pt/
O que visitar | What to visit
Mosteiro de Alcobaça é a primeira obra plenamente gótica erguida em solo português. A sua construção iniciou-se em 1178 e ficou concluído em 1252. A UNESCO adicionou-o à sua lista de Património da Humanidade em 1989. Aberto até às 18.30h. Preço: 10€.
Castelo de Alcobaça quase nada resta do antigo castelo medieval e da Torre dos Sete Sobrados de origem árabe. No entanto, vale a pena subir a colina para admirar a vistas sobre a cidade.
Jardim do Amor um jardim alusivo ao amor proibido de Pedro e Inês onde se encontram duas esculturas lado-a-lado que representam os tronos reais.
Passeio marítimo de um lado o impressionante oceano Atlântico, barraquinhas de ginjinha e bolas de Berlim, pescadores e peixeiras a vender peixe seco e do outro, restaurantes e lojas com artigos de praia e o casario da Nazaré na colina. O areal estende-se por 1,6Km.
Sítio da Nazaré o famoso miradouro encontra-se no ponto mais alto da vila. É acessível através de um funicular de 1889.
Ermida da Memória na Nazaré. Como prova de gratidão pela graça que recebeu, D. Fuas Roupinho mandou edificar uma pequena capela no local onde escapou à morte e por cima da gruta onde se venerava a Virgem da Nazaré. Está revestida por azulejos azuis e brancos. Descendo umas escadas, encontramos um pequeno altar virado para o oceano.
Santuário de Nossa Senhora da Nazaré devido ao elevado número de peregrinos que acudiam à Ermida, em 1377, o rei D. Fernando I mandou construir este santuário e transladar para aqui a sagrada imagem de Nossa Senhora da Nazaré.
Farol da Nazaré o ponto de encontro para observar as competições de surf que se realizam anualmente na Nazaré.
Onde comprar | Where to shop
Made in Alcobaça a loja de eleição para comprar as famosas chitas de Alcobaça. As chitas são um tecido de algodão com motivos chamativos e coloridos. Há de tudo um pouco: carteiras, sacos de viagens, toalhas de mesa, abajures, cadernos. www.instagram.com/madeinalcobaca/
Casa Lisboa uma loja de cerâmica típica portuguesa situada em pleno Rossio. É uma referência para a compra dos tradicionais pratos azuis e brancos, mas também tem peças contemporâneas, como as criações da marca Bordallo Pinheiro.
Aqui está o mapa com todos os locais mencionados no post:
É uma honra e um privilégio fazer parte deste grupo fantástico.
Um fim de semana inesquecível com um mix de lazer e cultura .
Parabéns Ariana, pelo teu registo.