Ariana Veloso da Fonseca

7 de mar de 20218 min

Serra da Estrela, Portugal

Atualizado: 12 de nov de 2021

Não podia faltar um roteiro sobre um dos lugares mais especiais para mim, mas a dúvida prendia-se com o fato de ter informação suficiente para criar um roteiro e partilhar convosco. Visitei este lugar incontáveis vezes: para esquiar no inverno, para passar tardes nas praias fluviais no verão, em visitas de estudo de Geologia, ou, mais recentemente, em viagens de prospeção por trabalho.

Mas estamos a falar da maior área protegida de Portugal, o Parque Natural da Serra da Estrela estende-se por mais de 100 mil hectares. Sinto que ainda há muito por desvendar.

"A Estrela, essa, guarda secretamente os ímpetos, reflectindo-se ensimesmada e discreta no espelho das suas lagoas.

Somente a quem a passeia, a quem a namora duma paixão presente e esforçada, abre o coração e os tesouros. Então, numa generosidade milionária, mostra tudo."

Portugal, Miguel Torga, 1967

Do alto dos seus 1993 metros, a Serra da Estrela é um território imprescindível para qualquer amante da natureza, aqui descobrimos trilhos por caminhos sinuosos, riachos que brotam do interior da montanha e desaguam em lagoas de água transparente, penedos suspensos há milhares de anos em posições assustadoramente vertiginosas. Sentimo-nos minúsculos perante tamanha imensidão…


 
Este destino de rara beleza paisagística presenteia-nos com cenários idílicos em qualquer estação do ano. Contudo, é no inverno que a Serra da Estrela adquire todo o protagonismo. Sempre a associo à neve e ao frio. É a minha altura favorita para a visitar.

Vista para o vale glaciar desde a Casa de São Lourenço; as mantas de burel fazem parte da decoração dos quartos do hotel.

Em janeiro de 2020, fomos conhecer os hotéis e a região a convite da Isabel e do João, o acolhedor casal donos da Casa de São Lourenço e da Casa das Penhas Douradas.


 
Saímos cedo de Madrid e em poucas horas cruzámos a fronteira com Portugal. Serpenteando por estradas estreitas e sempre a subir, passámos pela vila de Manteigas e continuámos a subir. Avistámos um cão de raça Serra da Estrela a guardar um rebanho. Sentimos que estávamos perto.

A Casa de São Lourenço surge resguardada no meio de uma curva fechada, para logo se abrir para a imensidão do vale glaciar.

A lareira acesa na Casa de São Lourenço; Piscina exterior aquecida; O teto do restaurante está forrado com estrelinhas de burel.


 
A Casa de São Lourenço poderia ser perfeitamente um hotel-destino, um hotel em que não precisa de nada à sua volta, a estadia já vale por si só a viagem. Contudo, a harmonia com que se enquadra na paisagem e integra os elementos da região onde se encontra, fazem que os dois criem uma perfeita simbiose onde a magia acontece.


 
A antiga pousada dos anos 40 foi totalmente restaurada, ampliada e adaptada ao luxo e conforto modernos, mas a herança deixada por Maria Keil, uma das mais relevantes designers portuguesas do século passado e responsável pela decoração e mobiliário da pousada, foi totalmente reaproveitada. Um pouco por todo o hotel, tanto nos móveis como nas paredes forradas a burel, encontramos os símbolos por ela desenhados: uma loba, uma estrela e uma flor.

A Isabel mostrou-nos a evolução que o hotel sofreu ao longo dos anos; O poema "Eu nunca guardei rebanhos" de Alberto Caeiro numa parede de burel.

Ao entrar na sala de refeições somos arrebatados pela vista de tirar o fôlego, o vale, marcado pelo branco dos gelos glaciares, apresenta-se perante os nossos olhos e assistimos à variação das cores do dia a partir de um local privilegiado.


 
O jantar composto por comida típica portuguesa e produtos regionais foi o reconforto que estávamos a precisar. É sempre servido debaixo de seis mil estrelinhas de burel amarelo-torrado que fazem concorrência ao céu estrelado da montanha.

A Casa da Fraga; Um chá reconfortante na Casa das Penhas Douradas.

No dia seguinte, fomos bem cedo e sob a orientação do Luís, responsável pelas atividades outdoor, conhecer alguns dos pontos de paragem obrigatória pela Serra.


 
Visitámos a Casa da Fraga, uma casa em ruínas encrustada entre blocos de granito nas Penhas Douradas, outrora habitada pelo primeiro paciente a recuperar de tuberculose. Como consequência da sua melhoria foi realizada, em 1881, uma expedição científica pela Sociedade de Geografia de Lisboa, onde Sousa Martins, médico português que se notabilizou no combate à tuberculose, considerou as Penhas Douradas o lugar mais saudável do país, graças ao seu ar puro e fresco. E assim se mantém até hoje. A altitude faz os ouvidos estalar, o ar rarefeito dificulta a respiração, mas quando os pulmões se habituam à pureza desta atmosfera, não querem outra coisa.

Burel Factory, em Manteigas.


 
Durante a tarde, fomos conhecer a Burel Factory, um projeto que valoriza o território a partir de fórmulas culturalmente ligadas à Serra e aos processos tradicionais. O burel é um tecido resistente, impermeável e duradouro, feito com a lã das ovelhas de raças bordaleira e mondegueira prensada. O nome burel significa em latim tecido áspero e grosso, mas já lá vão os tempos em que a única finalidade deste material eram os capotes dos pastores e capas de soldados.


 
O barulho ensurdecedor das máquinas do século XIX a trabalhar a um ritmo frenético acompanha-nos por entre as salas da fábrica onde observamos todo o processo criativo, desde a cardagem, fiação e tecelagem da lã à colaboração com artistas e artesãos de várias áreas, que fazem renascer a tradição beirã.

A natureza da Serra da Estrela em todo o seu esplendor.

Este ano, um nevão sem precedentes tomou conta da paisagem da Serra da Estrela e foi a desculpa perfeita para pegar nos jipes e percorrer os caminhos inóspitos cobertos por um manto branco.


 
Mal chegámos a Valhelhas, embrenhámo-nos pelo interior da montanha por trilhos mais ou menos sinalizados, a neve tinha apagado qualquer registo de aventureiros anteriores. Os bosques de pinheiro-silvestre e pinheiro-de-casquinha e os miradouros com vistas panorâmicas sucediam-se, aproveitávamos qualquer momento para sair do carro, esticar as pernas, atirar bolas de neve ou deslizar em trenós improvisados. Como teríamos aproveitado se os skis não tivessem ficado em casa!

A sinalética dos trilhos da Serra da Estrela.

O piquenique foi montado num vale, mas o frio hostil e as rajadas de vento fustigavam e atingiam-nos com uma força excessiva. Vimo-nos obrigados a acudir ao conforto do jipe rapidamente.


 
Parámos na Cabeça da Azinha, passámos ao lado do Sameiro, mudámos de direção na Casa de São Lourenço e quando chegámos ao Sabugueiro, optámos pela estrada mais montanhosa que nos guiou até à Lagoa Comprida. Contornámos a grande lagoa parcialmente gelada com o objetivo de chegar ao famosíssimo Covão dos Conchos, a apenas 5 quilómetros, mas a neve era cada vez mais densa e o sol ameaçava desaparecer no horizonte.

Decidimos regressar a terra firme, não faltarão oportunidades para repetir um passeio destes em qualquer outra época do ano.

Pinheiro coberto de neve, perto do Covão dos Conchos.

Às vezes necessitamos de um pouco de paz, de silêncio, de estar em contacto estreito com a natureza e de regressar às nossas origens. E sentimos tudo isto quando percorremos a Serra da Estrela.


 
Este lugar é a confirmação definitiva de que a beleza está no interior (de Portugal).


Como chegar How to get there

A melhor maneira de chegar à Serra da Estrela é de carro. Está a 3.30h de Lisboa, 2.30h do Porto e 1h da Guarda.

Como se deslocar How to move around

Não existe uma rede de transportes especializada na Serra da Estrela. Para se deslocarem entre as povoações têm de ir de carro.

Onde dormir Where to sleep

Casa de São Lourenço em Manteigas, é o único hotel de 5 estrelas na Serra da Estrela. A antiga pousada construída nos anos 40, foi totalmente reformada e renasce passados 70 anos. A vista para o Vale Glaciar do Zêzere não deixa ninguém indiferente, independentemente da estação do ano em que se visite. Modernidade, design e elementos tradicionais compõem um cenário idílico. Tem spa e piscina interior. O restaurante serve o melhor da cozinha regional com ingredientes contemporâneos. casadesaolourenco.pt/

Casa das Penhas Douradas o primeiro hotel do grupo Burel Mountain Originals, combina design moderno com conforto. Tem spa e piscina interior, as grandes janelas deixam passar os raios de sol refletidos na neve. No restaurante provam gastronomia tradicional deliciosamente confecionada. casadaspenhasdouradas.pt/

Onde comer Where to eat

A comida regional beirã é famosa pela simplicidade, fartura e ingredientes de qualidade. Qualquer restaurante da região irá surpreender pela positiva. O Queijo da Serra é o ex-líbris da região, feito com o leite das ovelhas de raça bordaleira e churra mondegueira que pastam nas encostas da montanha. Os vinhos de D.O do Dão acompanham perfeitamente qualquer refeição.

O que visitar What to visit

Parque Natural da Serra da Estrela distribuindo-se pelos concelhos da Guarda, Manteigas, Gouveia, Covilhã, Seia e Celorico da Beira, é à maior área protegida portuguesa. É aqui que se encontra o ponto mais alto de Portugal continental, apenas suplantado pelos 2351 metros de altitude da montanha do Pico, nos Açores. Aqui nascem os rios Mondego e Zêzere. Em 2020, o Geopark Estrela foi reconhecido pela UNESCO pelo seu valor geológico. Existem 375 quilómetros de trilhos sinalizados para passeios pedestres, em BTT ou jipes.

Capela de São Lourenço é uma pequena capela do século XIV, reedificada no século XVIII. Está rodeada de monumentais carvalhos com mais de 400 anos. É um local de peregrinação e dia 10 de agosto, dia da festa religiosa, realiza-se aqui um piquenique comunitário com os habitantes da vila.

Penhas Douradas no concelho de Manteigas, localiza-se a 1.300 metros de altitude. Foi considerada o lugar mais saudável do país, graças ao seu ar puro e fresco, por Sousa Martins, médico que se distinguiu no combate à tuberculose. Atualmente, é famosa pelos seus chalets com vistas para o Vale Glaciar.

Casa da Fraga é a ruína de uma casa outrora habitada por Alfredo César Henriques, que veio viver para a Serra para se curar de tuberculose. A sua construção entre gigantes rochas de granito é uma exaltação ao aproveitamento e integração na paisagem, passa quase despercebida ao olhar do viajante mais distraído. A melhoria da doença do seu habitante impulsionou a construção de casas e chalés nas redondezas.

Poço do Inferno a cascata da ribeira de Leandres, um afluente do rio Zêzere, traz a água cristalina e gélida dos pontos mais altos da Serra e proporciona um espetáculo de beleza única.

Vale Glaciar ou vale em “U”, é o maior da Europa, estende-se ao longo de 13km. Formou-se há milhares de anos aquando o degelo do glaciar que ocupava este local. É o berço do rio Zêzere. A Rota do Glaciar, um trilho de 17km, permite observar as íngremes encostas do vale. manteigastrilhosverdes.com/portfolio_page/glaciar/

Lagoa Comprida com 2,5km de comprimento, é maior lagoa da Serra. Desde a construção da barragem em 1912 que é aproveitada para a produção de eletricidade. Aqui desaguam os túneis do Covão do Meio e o do Covão dos Conchos.

Covão dos Conchos ficou famoso quando imagens captadas por um drone sobrevoando o local circularam pelo YouTube: um gigantesco funil, ladeado por vegetação, sugava misteriosamente a água da lagoa. O enigma resolveu-se passado pouco tempo, um túnel de 1519m, construído nos anos 50, desvia as águas da Ribeira das Naves até à Lagoa Comprida, o principal reservatório de água da Serra da Estrela.

Centro de Interpretação da Torre do Estrela Geopark situa-se no ponto mais alto de Portugal continental. No seu interior, encontramos uma exposição sobre o património cultural, fauna e flora da região. Preço: 1€. www.geoparkestrela.pt/geopark/centro-interpretacao

Praias fluviais se visitarem a Serra da Estrela durante o verão, não deixem de mergulhar nas águas geladas e revitalizantes do rio Zêzere. As praias fluviais de Valhelhas e Relva da Reboleira, no Sameiro, dispõem de parques de campismo, bares de apoio e todas as infraestruturas necessárias para aproveitar a Serra nos meses mais quentes.

Onde comprar Where to shop

Burel Factory uma fábrica de lanifícios prestes a fechar portas em Manteigas foi adquirida pela Isabel e João, que quiseram manter a tradição viva, mas deram-lhe uma reviravolta. Este casal visionário contratou os antigos funcionários que sabiam decifrar os códigos por pontinhos dos antigos padrões e as máquinas do século XIX voltaram a trabalhar com um novo impulso. Agora, a versatilidade deste material está presente na utilização para fins decorativos, como revestimento de paredes, almofadas, bancos, etc. A Casa das Penhas Douradas e a Casa de São Lourenço são exemplo deste moderno aproveitamento. Têm uma pequena loja em Manteigas que vende carteiras, mantas, casacos e cachecóis e organizam visitas guiadas à fábrica por marcação. www.burelfactory.com/pt/

New Hand Lab uma antiga fábrica de lanifícios na Covilhã ganhou uma nova vida ao acolher artesãos, designers e criadores da região que aqui desenvolvem e expõem as suas obras tendo por base o uso da lã. Vestuário, calçado, objetos de decoração, estúdios de fotografia, escritórios, ateliers, salas de projeção e exposições temporárias, aqui há espaço para tudo e todos os que apostem pela criatividade e inovação. www.newhandlab.com


Aqui está o mapa com todos os locais mencionados no post: